Humanidade
15:4027.01.22
Olhos arregalados carregados de culpa e outras substâncias, andando de um lado pro outro sem sair do lugar, sem tirar os olhos de mim, me seguia com tanta devoção que quase acreditei em suas intenções de tentar me ter de volta. Mas eu tinha uma aposta de que não deixaria você se aproximar de novo, eu quase perdi um amigo que te disse que a gente vai acabar se entendendo, dando mais combustÃvel a essa sua atitude de ignorar tudo que aconteceu e tentar me conseguir de volta. Olhos arregalados, postura firme, boca que diz e não diz, ela se mexe, mas nada faz sentido, minhas mãos doidas para te machucar, te empurrar, puxar, abraçar.
Na fila com alguém que eu acabei de beijar dentro do carro, como uma sucessão de acontecimentos você apareceu bem atrás de nós, a postura não mente, você não sabia o que fazer ali com eu que já não queria mais te machucar. Mãos nos bolsos, me respondendo as perguntas com firmeza sem querer se decepcionar. Olhos cansados de me acompanhar, eu não parava em nenhum lugar. Costas largas viradas para mim, toda vez que alguém vinha me segurar. Sua paciência parecia estar se esgotando, e a minha parecia estar sendo testada. Eu não sei porque, mas todos esses joguinhos secretos de quero-não-quero, me deixavam animada. Te deixava também?
Como um reencontro de almas, abri a porta e você estava lá, com roupas, cheiro e justificativas que me fizeram acreditar que você não iria embora. Colchão na sala, o tapete não é mais seu lugar, pelo menos por ora. Passeios de moto, sugestões que eu dava eram acatadas, chuva e cerveja, uma bexiga cheia e pequenos ralis eram novas memórias compartilhadas. Era uma pessoa que eu não conhecia, e parecia estar disposto a ser meu dessa vez. Você veio adestrado, e eu com todas as minhas feridas, estava satisfeita com a ideia de te ter de volta.
Um coração cheio de cicatrizes, pisava em ovos com você, deixava claro que não seria só sua, dessa vez não terÃamos raÃzes, e como duas crianças, meus dias não eram dias sem você. Como uma criança, você me tratava em posição de poder, pra não deixar barato eu tinha que te machucar também. Ouvi falar que da sua boca saem coisas ruins ao meu respeito, coisas que não são verdade. Depois de tudo, como você teria coragem?
Olhos de ternura sob a luz da manhã, tudo estava dourado, você em pé na minha frente se ajeitando pro trabalho, você estava apaixonado. Meus olhos entreabertos eu tentava manter fechados, pra aproveitar um pouco mais a sensação de ter esses olhos sobre mim enrolada no edredom, alguém me amando genuinamente, me dando um beijo antes de sair e se certificando de que estava tudo trancado.
Possessividade, atitudes que você não considera machista, prometi pras minhas amigas que não deixaria você me tratar assim de novo, e como numa montanha russa, nossa viagem parecia estar no fim. O gosto do macarrão que você fez pra gente ainda tenho na memória, a areia entre os pés, a água, eu ainda sinto, meus dedos estão sensÃveis com saudades da sua pele, minha nuca e o cheiro que ela exala não carregam nenhuma poesia desde que tive que te tirar da minha vida. Os caras que eu tenho deixado se aproximar porque fiz uma promessa que não ficaria sofrendo por você de novo, preenchem meu vazio com sentimentos pesados demais pra eu carregar.
Talvez daqui a 30 anos, quando todos meus sonhos tiverem sido realizados, ou eu ter fracassado em todos, talvez quando eu não tiver tempo ou cabeça pra sofrer por alguém que eu conheci, eu possa entender que você foi uma fase da minha juventude que eu precisei viver pra experimentar algo que eu sempre quis sem me arrepender.
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